Renato Archer: um marinheiro maranhense em Campinas
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Publicado 11/09/2017 - 10h46

É uma satisfação poder fazer parte da história do Correio Popular de Campinas, instituição praticamente centenária de nossa cidade que sempre teve papel importante no desenvolvimento da região. O destaque da cidade no cenário nacional e internacional também pode ser creditado à atuação de seus jornais locais, que colaboraram decisivamente para essa evolução.
Fiquei honrado com o convite e escolhi inaugurar este espaço com uma crônica sobre um brasileiro nacionalista, comprometido com o progresso social e econômico do país: Renato Archer.
Confesso que, além de honrado, também fiquei um pouco preocupado em escolher Archer como sendo o tema inaugural da coluna. Afinal, é muita responsabilidade falar sobre um dos brasileiros que mais contribuíram para a consolidação da nossa ciência e tecnologia.
Eu era apenas um adolescente no período de atuação mais intensa de Renato Archer, quando ele protagonizou a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Há outros contemporâneos de Archer que têm mais credenciais para essa tarefa, porque foram testemunhas ou vivenciaram diretamente aquele importante período da década 80.
Inicialmente pensei que estava cometendo uma ousadia imperdoável, mas me acalmei ao refletir que, sendo de uma geração bem posterior, minha homenagem ajudaria a demonstrar que o legado de Archer atravessou os tempos.
Um pouco do registrado aqui são histórias que me foram contadas pela própria filha de Archer, Alexandra.
Aproveitei também informações que levantei para um prefácio de uma reedição de um dos livros de Archer.
Pensando bem, até não fui dos observadores mais distantes! Na minha adolescência, por conta da militância de meus pais na área de ciência e tecnologia, me envolvi com a campanha de defesa do MCT quando, na década de 90, foi ameaçado pela ideia bizarra de extinção.
Quase um extraterrestre nos ambientes típicos de adolescentes, eu cheguei a usar bótons na lapela com dizeres como “Defenda o MCT”. Minha filha diria hoje: “isso é pagar mico!”. Não duvido que os outros me considerassem um tanto excêntrico por ostentar tal “bóton”. Talvez a “tribo” de então não entendesse aquilo, mas para mim fazia todo o sentido.
Apoiada pelo próprio Archer, era uma campanha de defesa do desenvolvimento autônomo de nosso país e os “bótons”, singelos, eram a internet da época. Por falta de botão de “like” numa “fanpage”, as pessoas daquele tempo usavam “bótons” na lapela.
Cheguei até a conhecer o Ministro Archer muito rapidamente. Para alguns poderia ter sido fato corriqueiro demais para ser citado décadas depois, mas para mim foi muito marcante. Esse primeiro contato com Archer, um simples cumprimento, deixou uma impressão indelével em minha memória. Era uma pessoa magnética.
Passados mais de trinta anos, a figura de Archer cruzou meu destino por várias vezes, culminando, por desígnios imprevistos, na assunção à Diretoria do Centro de Tecnologia de Informação Renato Archer (CTI), na qual estou há 6 anos. Não é surpresa que seu legado esteja perenizado em minha vida, também porque minha mãe assumiu a cadeira “Renato Archer” como primeira mulher da Academia Brasileira de Engenharia Militar, uma honra para toda a família.
Nos processos históricos sempre pode existir uma dúvida a respeito de qual teria sido o melhor rumo a ser adotado pelo país numa dado tema de política pública. Sobre a criação do Ministério de Ciência e Tecnologia não há dúvida: foi o instrumento que nos trouxe até o que somos hoje em termos de capacidade de pesquisa e desenvolvimento, muito mais do que seria esperado de um país latino-americano fora do eixo principal.
Sabe-se que as conquistas obtidas por Renato Archer ao longo de sua trajetória tiveram um preço pessoal e familiar. Todos os que com ele contemporaneamente atuaram têm histórias para contar sobre incompreensões, pressões, sucessos “abafados”, fracassos suspeitos, bloqueios, restrições inopinadas, entre outras dificuldades que não podem ser explicadas apenas com base na estatística. É muito mais divertido ironizar as “teorias de conspiração” do que vivenciar no seio da própria família os efeitos colaterais dessas pressões. O fato é que, independentemente das disposições em contrário, o Ministério de Ciência e Tecnologia consolidou-se, posicionando-se no centro da produção acadêmica e tecnológica do país.
Foram muitas as conquistas de Renato Archer no Ministério, como a consolidação do programa nuclear, a ampliação significativa do número de bolsas do CNPq ou, ainda, a própria consolidação do CTI em Campinas. Mas foram também muitos os obstáculos, vários deles com origem em restrições de caráter geopolítico, as quais, com a abertura de arquivos, vão ficando cada vez mais claras.
A história de Renato Archer é rica em todos os seus aspectos. Na Marinha, atuou como comandante em navios militares, tendo sido vítima até de incêndio em uma das embarcações nas quais serviu.
Deputado Federal pelo Maranhão por quatro mandatos e vice-governador, conquistou o respeito de todos com os quais interagiu, mas também incomodou o status quo, chegando a ser preso por três vezes após o AI-5. Hoje se sabe que foi no apartamento de Archer que lideranças se reuniram para preparar uma reação democrática ao regime de então. O aprisionamento de figuras transformadoras da sociedade é comum, e não foi diferente no caso de Renato Archer.
Nacionalista convicto, foi militar discípulo do Almirante Álvaro Alberto, criador do CNPq. O Almirante era figura exigente que cobrava muito de seus alunos. Archer mostrou-se à altura de suas cobranças, transformando-se no principal elemento de multiplicação de seu legado.
Atualmente, Renato Archer é um ícone do desenvolvimento autônomo do Brasil, porque no contexto de uma formação militar, conseguiu combinar nacionalismo com sensibilidade social e espírito democrático. No meio político cercou-se de outras figuras de grande teor democrático e nacionalista, como o senador Severo Gomes ou o deputado Ulysses Guimarães, tipos incomuns para a política dos dias de hoje. Fazia parte do grupo do Poire, que se reunia para discutir temas estratégicos brasileiros.
Nas conversas com Alexandra, às vezes conjecturamos sobre como Renato Archer analisaria os tempos atuais. De minha parte, sigo com o compromisso de honrar o legado de Archer.
Como paulista, cumprimento o Estado do Maranhão por ter emprestado para todo o Brasil esse ilustre marinheiro maranhense.