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Publicado 04/10/2017 - 07h26
Compliance vs. Performance no serviço público
Recentemente a BBC divulgou os resultados preliminares de uma Tese de Doutoramento realizada na London School of Economics, com ampla repercussão em toda a mídia brasileira.
Os resultados, até o presente momento, contestam um entendimento bastante difundido no Brasil de que empresários se sairiam melhor como gestores públicos do que os políticos tradicionais.
Os autores, Eduardo Mello e Nelson Ruiz Guarin, focalizaram seu estudo na comparação da performance entre prefeitos brasileiros. Para isso, segundo a BBC, utilizaram-se de “dados de fontes diversas, como Tribunal Superior Eleitoral, Receita Federal, DataSus e Censo Escolar”. A análise que apresento aqui foi baseada no material disponível na imprensa, uma vez que não foi possível obter o trabalho original.
O estudo parece bastante abrangente, tendo analisado a performance de prefeitos após 5 eleições consecutivas entre os anos de 2000 e 2016. Depois de um trabalho minucioso de seleção das cidades em que ocorrera competição entre candidatos tradicionais e empresários, os autores chegaram a um universo de análise que compreendia entre 200 e 300 cidades por eleição, certamente um conjunto de dados bastante expressivo.
De acordo com a matéria da BBC, os resultados da análise mostraram que, de forma geral, a experiência de dirigir uma empresa não se revertia necessariamente em boa gestão pública. Contra o senso comum, os prefeitos “empresários” tiveram, na média, o mesmo desempenho de seus colegas políticos, principalmente em termos de execução orçamentária nas áreas de educação e saúde, de redução do déficit, ou de obtenção de verbas federais para investimentos no município. Segundo os autores, os dados sequer mostraram uma melhora nas contas públicas de cidades governadas por empresários. Justiça seja feita ao mérito dos gestores com experiência empresarial, se os dados não mostraram melhora, tão pouco mostraram piora.
A reportagem tentou explicar por que uma eventual experiência privada do gestor não implicaria, necessariamente, em melhoria sistemática na performance pública. Segundo essa explicação, ao contrário de uma atividade empresarial, que busca o lucro e a satisfação de seus clientes, o objetivo do Estado é cuidar de cidadãos, cujos direitos são mais amplos do que os de simples consumidores. Portanto, o conceito de “cliente” não se aplicaria para os beneficiários dos serviços do Estado, criando um ambiente inóspito para a experiência típica do gestor-empresário, que teria que se adaptar à complexa realidade da administração pública.
Ou seja, é comum nossa sociedade confundir seus cidadãos como meros consumidores de bens e produtos, ou “clientes”, mas a condição de consumidor é apenas uma das dimensões do cidadão, que costuma ser também trabalhador, educando, paciente de serviços de saúde, ou, até mesmo, presidiário.
Creio que há um outro fator que impacta o desempenho dos gestores-empresários no âmbito do serviço público. Recentemente tive uma grata interação com o renomado consultor de negócios, Dr. Carlos Schauff, com quem troquei ideias sobre gestão pública. Em um certo momento de nossa conversa, ele me pediu detalhes do dia-a-dia das atividades de servidores públicos numa típica instituição federal. Após descrevê-los recebi dele uma análise bastante sagaz: mesmo numa instituição voltada para “ciência e tecnologia”, as exigências externas de controle permutariam, inadvertidamente, seu "core business" para garantia de compliance no uso dos recursos públicos.
Em outras palavras, assim como o “business” de uma cadeia de sanduíches não é necessariamente “alimentação”, mas estar nos principais pontos de venda da cidade; ou o “business” de uma bomboniere não é necessariamente “chocolates”, mas oferecer uma boa experiência para o consumidor que busca presentear alguém, o “business” de um centro de pesquisa, por força de seu caráter público, acabaria sendo, na verdade, garantir a aderência de suas atividades à legislação e às expectativas dos órgãos de controle.
Essa constatação é muito esclarecedora para os cidadãos que, por vezes, se frustram com a complexidade e morosidade de alguns processos realizados no âmbito do Serviço Público.
No serviço público, uma parte significativa da energia despendida por seus servidores está direcionada à garantia de que os procedimentos estão aderentes às regras e à legislação, o que é a própria definição de “compliance”. Mesmo sabendo que as empresas estão cada vez mais buscando “compliance”, é preciso reconhecer que no serviço público as consequências do não cumprimento da legislação podem ser muito mais severas para seus colaboradores estatutários.
Ora, os empresários, como os cientistas que assumem cargos de gestão, também acabam tendo que aprender rápido para se adaptarem a esta realidade mais severa. De forma geral, pode-se dizer que não é possível o aproveitamento completo dos seus “skills”, os quais não seriam totalmente necessários, muito menos intrinsecamente suficientes para atender ao “job description” de um gestor público.
Ao longo desses anos todos que atuo na área, a interação com diretores de outras instituições de pesquisa mostrou que esta percepção é generalizada e decorre de uma característica muito peculiar da forma como o Estado Brasileiro se organiza em relação aos demais.
O artigo 37 da Constituição Federal é o dispositivo legal que define os princípios da administração pública, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (LIMPE). Esses princípios, usando uma metáfora futebolística, definem um 4x1 do “compliance” em cima da performance. Isto porque os 4 primeiros (LIMP) são ligados à isonomia e transparência do serviço público, contra apenas um princípio ligado à performance, ou seja, a dita “eficiência” (E), que acaba ficando solitária.
Para melhorar o equilíbrio entre “compliance” e “performance”, mesmo porque o cidadão não se alimenta do “LIMP”, é preciso alterar esta peculiaridade de nossa constituição. Uma ideia seria acrescentar aos princípios da administração pública a “eficácia”, a “tempestividade”, o “compromisso” e a “razoabilidade”, mantendo os que já estão lá, uma vez que também são muito importantes para garantir igualdade de oportunidades para todos os beneficiários do Estado.