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Publicado 10/10/2017 - 09h53
Magistério em Chamas
Não está na “descrição do cargo” de professor atividades de salvamento de crianças em meio a chamas. Os professores sequer ganham compensações financeiras em valor equiparável ao benefício que geram quando praticam atividades típicas do Magistério. Nenhum valor seria o suficiente para compensar o enfrentamento do terror em uma sala de aula. Aliás, nem os bombeiros, policiais e militares têm ganhado o bastante para arriscarem suas vidas em sinistros e conflitos.
Na semana do Dia dos Professores, a sociedade tem mais uma oportunidade para refletir profundamente sobre a tragédia de Janaúba, quando uma professora entregou a vida por seus alunos, falecendo junto com alguns deles.
Era uma pedagoga, uma funcionária pública, que muitos reputariam como frágil, mas cuja conduta não deixou dúvidas sobre sua grandeza, bravura, solidariedade e força moral. Uma mulher que se postou frente à figura ameaçadora de um incendiário, entrando em luta corporal com ele em meio à s chamas. Seu objetivo? Proteger a vida de cidadãos brasileiros com idades entre 3 e 6 anos: crianças. Opino que ela sequer colocou na balança o risco de submeter sua juventude ao ataque implacável das chamas, tanta era sua firmeza em defender as crianças. Ela sabia o que tinha que fazer e o fez a despeito de todos os custos daquilo para sua vida e para sua família.
Ela salvou crianças que tinham saído de suas casas naquela manhã para receberem ensinamentos, como em tantas e tantas outras milhares de creches espalhadas pelo país.
Tragicamente, foi o Brasil inteiro que acabou aprendendo naquela manhã. Aprendemos duramente que frequentemente são os cidadãos comuns, nada célebres e muito menos abonados, que dão os maiores exemplos de coragem e heroísmo. É natural as pessoas se perguntarem se teriam a mesma atitude que ela teve... Eu me pergunto. Resta-me clamar para que a percepção que tenho de minha coragem e doação ao próximo nunca tenha que ser confrontada no extremo, como ocorreu com ela. Penso que, de forma alguma, um ser humano deveria ser provado nestes limites, mas a vida, à s vezes, coloca as pessoas frente a eles.
A professora tinha seus filhos, mas entregou a vida para salvar outros, seus alunos.
Passada a comoção, será que a sociedade se esquecerá do episódio ou proverá o suporte que os filhos da heroína a partir de agora precisarão?
Outras professoras se machucaram seriamente no episódio, tamb é m mostrando grande heroísmo, e se, felizmente, não lhes foi exigida a entrega da vida para salvar suas crianças, como ocorreu com Helley Abreu Batista, também passaram momentos traumáticos e dolorosos, tanto em termos físicos como emocionais. Agora estão sujeitas à continuidade dessa dor, que poderá se alastrar por toda a vida. Cabe também à sociedade buscar formas de amenizar essas dores, uma demonstração de consequência e reconhecimento pelo heroísmo demonstrado.
Eram educadoras. Sabemos que a sociedade tem reservado lugares secundários para as mulheres na história. Recebem menores salários e são obrigadas a enfrentar jornada dupla, entre tantas outras sobrecargas. Entretanto, neste episódio foram as protagonistas, embora não estivessem armadas com pistolas último tipo ou caças a jato. Tão pouco estavam paramentadas com facas, cintos de utilidades, metralhadoras ou granadas. Não tinham treinamento para a luta corporal. Não dispunham de cassetetes, escudos, balas de borracha ou spray de pimenta, como às vezes ocorre quando uma tropa de choque é instada contra uma manifestação de professores. Mesmo sem qualquer armamento, não pestanejaram um segundo: imediatamente se colocaram frente ao atacante, defendendo as crianças com suas próprias vidas, antecipando de forma altruísta o papel dos policiais e dos bombeiros.
Mas as heroínas e heróis da educação estão tamb é m nas outras dezenas de milhares de escolas de ensino infantil, fundamental, médio e superior espalhadas pelo Brasil.
Uma recente pesquisa da APEOESP traz estatísticas que evidenciam o aumento substancial da viol ê ncia contra profissionais de educação no Estado de São Paulo. Episódios trágicos têm se reproduzido diariamente, talvez com menos comoção nacional, mas também com consequências aterrorizantes para suas vítimas. Em parte, este aumento de violência contra educadores é resultado da desvalorização do Magistério no Brasil. É expressão dessa desvalorização o próprio piso salarial nacional da educação , que hoje está em R$2.298,80, bruto. Após descontos, é ainda menor.
Já se passaram 3 anos sem reajuste, apesar da inflação crescente. Em contraste, no mesmo período, o reajuste das tarifas de pedágio vem buscando acompanhar a inflação, por exemplo.
A consequência desta efetiva redução de salários é fazer com que os educadores se atirem ao ritmo extenuante da dupla jornada, que no caso das mulheres se expande para a tripla jornada. Com o fechamento de salas de aula, a relação entre número de alunos e número de professores se precariza, prejudicando todo o sistema. São muitas evidências que servem, perversamente, como uma mensagem subliminar e inaceitável de que os educadores teriam um papel menor na sociedade.
Se o episódio de Janaúba, juntamente com inúmeros outros de violência contra profissionais de educação, não fizer nossa sociedade reconhecer o heroísmo dos professores e refletir sobre a importância de valorizar o Magist é rio, sabe-se lá o que o fará.
Lembremos que sem educadores valorizados nossa sociedade não tem a menor chance de conquistar o bem comum. Se não for por outro motivo, apelo para o senso financeiro das pessoas, invocando a célebre frase: “se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância” (existe um debate sobre a autoria desta frase, que aparece de variadas formas ao longo do último século).
Ou até, apelo para o senso estético e de segurança das pessoas, fazendo uma reflexão sobre a importância da educação para a dita qualidade de vida em uma grande cidade. Faço isso, com a permissão dos leitores para a ironia e a licença poética: “Vamos imajinar um país em que a educassão não çeja prioridade. Com que cerá que ele se pareçeria? Com uma sidade em que as peçoas têm que fexar o vidro do carro no semáforo por medo de açalto? Ou com uma cidade çuja e toda pichada? Ou, talves, com uma coluna de jornal xeia de erros de portuguez?”
Existem infinitas motivações para defender a educação, inclusive as estéticas referidas acima. As pessoas defendem a educação especialmente porque se importam com os outros e sentem que a busca pelo bem comum deve ser o principal motor da aventura humana, que só ter á sucesso se a sociedade enaltecer e se aliar aos seus mestres educadores.
Manifesto minha solidariedade às famílias das vítimas. Difícil saber o que dizer a elas neste momento de imensurável dor. Reputo como positivas as iniciativas do Governo Federal e do Governo de Minas de condecorar a Profa. Helley Abreu Batista com a Ordem do Mérito Nacional e a Medalha da Inconfidência, respectivamente.
Finalizadas as cerimônias de condecoração, a Sociedade e os governos não podem se eximir de refletir sobre quais serão as próximas ações.
O que se fará para atenuar a dor das vítimas e de suas famílias?
O que se fará para atenuar o impacto da tragédia na vida das crianças afetadas?
O que se fará para valorizar o Magistério?
(Post Scriptum: Ao mesmo tempo em que peço compreensão por algum excesso resultante da minha própria consternação, que não consegui filtrar, agradeço aos profissionais de educação que contribuíram com informações para este texto. Na Semana do Professor, agradeço também a todos os meus mestres e mestras pela aprendizagem que me proporcionaram, da mesma forma como agradeço aos de minha filha.)