Publicidade
Publicado 06/10/2017 - 08h52
A pele que eu habito: tato e contato
A pele é o maior órgão do nosso corpo. É o primeiro a se desenvolver no embrião humano. Depois, os olhos, os ouvidos, o nariz e a boca. Por isso, a pele é considerada a matriz de todos os sentidos, como afirma Ashley Montagu, autor do livro Tocar (editora Martins Fontes). A pele também é considerada nosso segundo cérebro, uma vestimenta flexível, macia e contínua, de extrema inteligência ,que nos envolve e nos protege da vulnerabilidade, sendo nosso primeiro meio de comunicação. Está envolvida no crescimento e desenvolvimento, não só do campo físico mas também do campo emocional e comportamental de cada um de nós. Pele é sobre tato. E o tato e o contato vivenciados no início da vida (ou a ausência deles) afeta o seu comportamento e sua resposta afetiva durante toda a vida.
Suas experiências táteis iniciais deixam um sinal gravado em sua existência. E o desenvolvimento de sua sensibilidade depende em grande parte do ambiente ao seu redor. O contato com o mundo se dá pela epiderme, uma das várias camadas da pele, que fica exposta ao meio ambiente. Por meio dela recebemos os estímulos táteis, regulamos nossa temperatura, sentimos estímulos amorosos e sexuais, nos sentimos vivos, atraentes ou aconchegados. Toda experiência da vida passa pela pele, que ainda tem a ver com a maneira como pulsamos e com quem somos.
O toque é a linguagem dos sentidos mais poderosa que há. Cria e sustenta relacionamentos. De tão importantes, os estímulos táteis são lembrados em expressões cotidianas. Por exemplo, quando dizemos que alguém dá um toque especial a um trabalho ou situação, estamos nos referindo ao tocar, que vem do toque de pele. Quando “damos um toque” (no sentido de dar um conselho ou alerta) em um amigo, estamos sendo leais e usando o verbo tocar para exemplificar essa ação. Essas e outras expressões (como ‘nervos à flor da pele’, ‘fulano é casca grossa’, ‘cheio de não me toques’) usam o verbo tocar como uma alusão, ou então a própria palavra pele, para frisar a relevância do tato, do contato e da interação para o ser humano.
Contudo, na prática, hoje as pessoas quase não se tocam. Não tocam o outro e não se tocam. Em alguns países qualquer tocar pode ser considerado assédio, em um exagero desumano. O mundo contemporâneo, tão avançado tecnologicamente, está atrasado quando o assunto é sensibilidade, capacidade humana de se relacionar. Diante da perda do sentido da vida que com frequência tem marcado a nossa contemporaneidade, o homem se distancia do seu semelhante. No mundo atual evita-se contato e o tato, e assim se retira a linguagem dos sentidos e do corpo que habitamos! E essa ausência traz tristes consequências para o ser humano, naturalmente condicionado e dependente do tato.
O cineasta Pedro Almodóvar aborda o sentimento da pele no filme A Pele que Habito. Ali, ele mostra a identidade ilegítima que adotamos nesta sociedade de imagens sem corpo, motivada pela ideia incoerente de que podemos fazer o que se quisermos com a vida, com o corpo, preterindo os sentidos e sentimentos pela imagem desejada. O filme mostra que, apesar da interferência e manipulação do corpo humano, a essência permanece intocada, preservando o Ser da insensibilidade desta sociedade destituída de sentido. No longa, o Ser sobrevive embora abafado por uma roupagem de pele ilegítima e desconfortável. A personagem não precisou se identificar com a imagem pois tinha muito claro sua legítima identidade.
A importância da relação entre o Ser e a pele faz o enredo do filme ser um sucesso em tempos de “não me toque”. Já reparou como hoje em dia a comunicação verbal praticamente excluiu a importante comunicação não verbal. O ser humano está cada vez mais tagarela, expressando por palavras sentimentos que não existem de fato, arrumando palavras pra preencher um vazio de contato. E de tato. A ausência de vínculos entre as pessoas pode nos dar a sensação de levar a vida em um pele com defeito.
Precisamos de mais tato. E aqui falo de tato literal e do tato que denota habilidade e jeito, quando como dizemos: “ela é uma pessoa bacana, tem tato para lidar com qualquer situação”. Essa pessoa bacana tem tato, que fique claro. Tem toque, sente as coisas, sabe interpretar as mensagens não verbais e responde aos estímulos. Exercitar o tato e tocar. Pense nisso.
E responda: Como você tem tocado a sua vida? Pode dizer que sua vida é tocante? Com essas perguntas, deixo a isca para uma semana demais tato e contato com aquilo que te fortalece e te deixa feliz! Até mais!