Laboratórios abertos: a busca por mais eficiência
Publicidade
Publicado 08/11/2017 - 07h29

Laboratórios abertos: a busca por mais eficiência

É comum ouvir dizer que pesquisa e desenvolvimento são atividades de alto custo e há bons motivos para justificar esta percepção.
O sucesso na atividade de pesquisa requer uma combinação de muitas capacidades humanas, de longa maturação, que se apoiam em uma infraestrutura complexa, diferenciada e em constante evolução. Este sucesso depende, também, de formas de registro e troca de informações entre pesquisadores.
Além disso, a pesquisa é o processo pelo qual se buscam novos conhecimentos, então ela é intrinsecamente imprevisível. Esta imprevisibilidade talvez seja maior do que em outras áreas. Isto, por si só, é um elemento de aumento de custo. Num contexto em que é impossível a certeza sobre qual é a rota de investigação que produzirá o resultado desejado, é papel das instituições de pesquisa manter uma infraestrutura variada e dinâmica, que esteja sempre disponível e atualizada para a sociedade. Isto certamente tem um custo.
Mesmo considerando essas características que inerentemente levam ao alto custo, as lideranças científicas não devem se eximir de fazer uma busca contínua por otimização e racionalização, e, por este motivo, os cientistas estão constantemente buscando reduzir a imprevisibilidade por meio da antecipação de tendências. Para isso se utilizam de métodos de prospecção científica e tecnológica, que, apontando rumos preferenciais, permitem otimizar esforços. Mesmo estes métodos têm muitas limitações e devem ser usados com parcimônia para evitar a inanição indevida de áreas cujo ápice ainda está por vir.
Assim, é natural que os equipamentos e processos disponibilizados por uma entidade de pesquisa tenham uma taxa de utilização dispersa. Isto significa que, diferentemente do setor produtivo, alguma ociosidade para parte dos equipamentos é aceitável neste contexto. Portanto, o jeito de tratar a ociosidade num laboratório de pesquisa tem que ser diferente do adotado em um indústria de commodities, por exemplo.
Muitas vezes a sustentação de uma capacidade crítica ou disruptiva requer o constante investimento em capacitação de pessoal, atualização de equipamentos e manutenção. Mesmo em atividades industriais, a desmobilização de capacidades visando economia por causa de uma ociosidade sazonal pode resultar, inadvertidamente, em um custo maior quando for necessário restabelecê-la. Especialmente, no caso de estruturas de pesquisa, pode nem ser possível recuperar a capacidade desmobilizada, porque aquela competência, por ser única, acaba se perdendo para sempre.
Isto cria um dilema para o esforço de otimização de recursos em atividades de pesquisa, cuja solução minimalista seria simplesmente abrir mão da capacidade. Esta medida implicaria em desrespeito ao esforço da própria sociedade que a estabeleceu, bem como a diminuição dos horizontes de pesquisa e desenvolvimento, podendo comprometer o futuro. O Brasil já cometeu esse erro por diversas vezes.
Uma alternativa para enfrentar o dilema, em adição à constante prospecção científica e tecnológica já mencionadas, é a mudança estrutural na forma de organização das entidades de pesquisa. Esta mudança deve levar à racionalização da infraestrutura através de seu compartilhamento. Isto implica mudar o formato tradicional dos laboratórios de pesquisa, que costuma ser fragmentado e com sobreposições.
Este saudável compartilhamento causa um incremento da demanda pelo uso dos laboratórios, porque facilita seu acesso através da transparência e do rateio de custos. Em todo o mundo isto vem sendo feito através do modelo de laboratório aberto, quando uma dada instituição, normalmente pública, concentra seus esforços para manter a infraestrutura que será utilizada por toda a comunidade científica, separando papéis, com especialização em prover serviços para os demais.
Inicialmente este modelo foi empregado para grandes “facilities” de física, tais como aceleradores de partículas, porque são infraestruturas tão caras que requerem esforços multinacionais para sua viabilização. Um exemplo são os síncrotrons espalhados pelo mundo, que permitem que pesquisadores internacionais utilizem suas instalações.
O conceito de laboratório aberto não ficou restrito a laboratórios de física de partículas, tendo se estendido para outras áreas, inclusive para atividades tecnológicas. Assim como nos espaços de co-working para negócios, os laboratórios abertos nas áreas de fármacos e materiais, entre outros, se transformaram na forma preferida de organização, na qual uma miríade de projetos são executados através do compartilhamento da infraestrutura, que conta com uma equipe específica para sua manutenção e atualização.
Mas operacionalizar um laboratório aberto não é simples. A co-existência de múltiplos projetos num mesmo espaço tem seu preço. Como em qualquer condomínio residencial, há questões sobre como dividir os custos entre os usuários e sobre como formar fundos de reserva, por exemplo. Há também questões de propriedade intelectual, confidencialidade, capacitação, agendamento, ouvidoria, mudança de cultura e governança que precisam ser tratadas.
Em termos de mudança de cultura, o aspecto mais difícil é enfrentar um certo “patrimonialismo” inerente ao sentimento de pertencimento por parte do pesquisador. É normal e, até certo ponto, saudável, que um pesquisador desenvolva este sentimento de pertencimento em relação à infraestrutura pública sob sua responsabilidade, para que não se estabeleça uma situação de “cavalo sem dono”, que em muitos casos redunda em abandono e, também, perda de competências. Mas é inaceitável que o sentimento de pertencimento se transmute em sentimento de propriedade, em que critérios estranhos ao interesse público comecem a nortear a disponibilização da infraestrutura para os colegas.
O estabelecimento de laboratórios abertos exige que o pesquisador adote uma nova postura com relação a este sentimento de pertencimento, desapegando de conveniências em nome da construção de um ambiente verdadeiramente inclusivo e eficiente para toda a comunidade científica.
O formato de laboratório aberto é um meio moderno de organização da infraestrutura de pesquisa, que permite maior eficiência no uso de recursos públicos porque cria as regras que garantem o sentimento de pertencimento, importante para a motivação do pesquisador, mas, ao mesmo tempo, promove um uso mais eficiente dos recursos.