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Publicado 28/11/2017 - 07h31
Fim do Foro Privilegiado
Antes de comentarmos o fim do foro privilegiado, ou, tecnicamente, foro por prerrogativa de função, mostra-se necessário saber do que se trata, e os motivos pelos quais foi criado.
Também denominada competência originária ratione personae. Consiste na atribuição de competência a certos órgãos superiores da jurisdição para processar e julgar originariamente determinadas pessoas, ocupantes de cargos e funções públicas de especial relevo na estrutura federativa (Fernando Capez, Curso de Processo Penal, Saraiva, 2017, p. 99).
Por exemplo, o Presidente da República, os Deputados Federais, os Senadores, e outros agentes políticos de relevo, somente podem ser julgados criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo assim, com algumas restrições e condicionantes, que, não raro, acabam gerando impunidade.
O foro por prerrogativa de função tem dois fundamentos claros.
O primeiro deles seria preservar o agente público, que exerce relevantes funções, de influências do poder econômico e/ou político nos julgamentos de primeiro grau, perante o Juiz da Comarca ou Subseção. O segundo aspecto seria preservar o próprio juiz de pressões do poder político e/ou econômico em relação ao julgamento de pessoas poderosas.
Entendia-se, em tese, que, em ambos os casos, um Tribunal, superior ou não, que tem natural distanciamento dos fatos, às vezes até por uma questão geográfica, teria melhores condições de julgar tais crimes, com a imparcialidade necessária a qualquer pronunciamento do Poder Judiciário.
Na prática, nenhum dos dois motivos, salientados acima, persiste.
O Juiz pode e deve ser imparcial, mesmo quando julga poderosos, e tem garantias constitucionais para isso, dentre elas, a independência funcional. O agente público, por seu turno, que está sendo processado, tem os mesmos direitos e garantias de qualquer pessoa, na esteira do princípio da impessoalidade.
Inclusive, temos visto que o foro privilegiado tem se tornado uma imunidade muito interessante para esses réus, seja porque os Tribunais não gozam de infraestrutura para julgamentos criminais, típicos de primeiro grau, seja porque, especialmente, em Brasília, a influência política tem comprometido a imparcialidade dos julgadores.
A questão da infraestrutura seria de fácil solução, se houvesse vontade político-institucional, porém, refutar a influência política nesses julgamentos é algo bem mais complicado, que vai além da compreensão do vulgo...
Bem por isso, o Supremo Tribunal Federal, num rompante de lucidez, na semana passada, formou maioria (8 votos a favor) no sentido da restrição do foro privilegiado para crimes cometidos durante o mandato do agente político, e mesmo assim, desde que haja nexo funcional entre o fato criminoso e o exercício do mandato. Se tais requisitos, que são cumulativos, não estiverem presentes, os autos do processo (ou da investigação) devem ser remetidos ao primeiro grau, para julgamento comum.
Infelizmente, um pedido de vista interrompeu nosso júbilo.
Note-se, que o Supremo não está discutindo, propriamente, o fim do foro por prerrogativa de função. Nem poderia fazer isso. Somente uma Emenda à Constituição Federal de 1988 poderia colocar fim ao instituto, o que depende de quórum qualificado, em dupla votação, junto às duas Casas Legislativas. Dificilmente, os Congressistas renunciarão a tal privilégio.
Mas, a população tem que cobrar uma posição clara em relação ao tema.
Com a manutenção do foro privilegiado, com ou sem restrições jurisprudenciais, ainda há uma barreira considerável para que possamos, efetivamente, afirmar que a Lei é para todos, e que deve ser aplicada igualmente, também. Essa barreira compromete o combate à corrupção, e impede, indiretamente, nosso amadurecimento cívico, o que é nocivo ao desenvolvimento da Nação.