Um Conto de Natal
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Publicado 21/12/2017 - 08h39

Um Conto de Natal

Um era gestor público e o outro gestor privado. Os dois tinham acabado de chegar em Guarulhos de viagens internacionais distintas. Não se conheciam. Se conheceram na fila do ônibus executivo para Campinas.
Véspera de Natal, era uma manhã quente de sol em 2015. Um chegava da China e o outro dos EUA. Ainda atordoados por conta das longas viagens e carregando malas pesadas, mal conseguiram achar o caminho para o ponto de ônibus.
Alguns minutos tediosos esperando em silêncio pelo ônibus e logo um deles puxou papo. Inicialmente falaram sobre o clima, sobre o cansaço que sentiam, algum incidente na viagem, sobre o esforço que cada um fez para chegar em casa para o Natal, enfim, amenidades.
Com a demora do ônibus, veio a primeira reclamação despretensiosa. Primeiro vieram comentários vagos sobre uma suposta falta de seriedade do brasileiro, depois sobre uma possível ineficiência do governo e na sequência, inevitável para um período de grandes mudanças políticas que estavam ocorrendo naquele momento, começaram a falar de política.
Das amenidades iniciais, a conversa passou a ficar tensa. Falaram sobre colares de tomates, sobre a Lava jato, sobre a prisão do Almirante, sobre o helicóptero de cocaína apreeendido pela Polícia Federal, sobre a República de Curitiba, sobre aeroportos particulares, sobre o Pré-Sal, a Petrobras, a saudação da Mandioca, panelas amassadas e camisetas da seleção, aumento de 20 centavos na passagem ônibus, black blocs, entre outros.
Evidente que cada um deles tinha opinião para cada assunto, as quais eram bem divergentes. Neste ponto a conversa já não era mais amistosa. O volume das vozes já se elevava e os primeiros adjetivos de qualificações mútuas começaram a surgir.
O calor era grande e o ônibus não chegava. Ninguém tinha pensado em armazenar vento nem em dobrar a meta, mas, os dois só queriam chegar em tempo, em casa para o Natal em família.
O Aeroporto de Guarulhos já era privado, em terreno público, mas o ônibus não chegava. O trem para o centro de São Paulo não era uma alternativa, como um dos debatedores fez questão de frisar, porque as obras estavam muitos anos atrasadas.
E neste embate de slogans e preconceitos, alguém percebeu que eles eram os únicos na fila. Já esperavam há dezenas de minutos depois do horário previsto para o ônibus.
“Não é possível”, disse um deles, “ocorrer um atraso de tal tamanho, mesmo no Brasil!”
Foi quando o terror se abateu sobre ambos: estavam no local errado para esperar o ônibus. Passaram tanto tempo trocando provocações e agravos sobre política, motivados por uma suposta ineficiência do sistema de ônibus executivo, que se esqueceram de verificar o motivo real do atraso, ou seja, presunçosos, eles é que estavam no local errado. Pagaram o preço da arrogância. Eram os únicos que estavam ali, não obstante as diferenciadas qualificações profissionais que tinham. Foram incapazes de achar o ponto de ônibus como tantos outros brasileiros mais simples fazem todos os dias.
“E agora? O que fazer? O próximo ônibus é só daqui uma hora! Quanto vai custar um táxi?”, pensou em silêncio cada um, tentando não perder a pose perante o outro.
Se olharam…
A solução estava em buscar um acordo para resolver uma questão prática e imediata.
Quase que simultaneamente se perguntaram: “Topa rachar um táxi?”. E o clima de contencioso se transformou em uma busca ansiosa pela compreensão da necessidade mútua. Já tinham perdido muito tempo divergindo um do outro. Agora era preciso unidade.
Não havia aplicativo de transporte pessoal naquela época. “Talvez o táxi seja muito caro mesmo dividido”, disse um. Confabulando cooperativamente acharam a melhor solução para o problema: alugariam um carro para ser devolvido em Campinas. Dividido em dois era muito mais barato. Não faltou desconfiança: será que eles se suportariam durante uma hora convivendo dentro de um carro? Em qual cartão de crédito alugariam o carro? Quem pagaria uma eventual multa? E o pedágio? Quem teria o trabalho de entregar o carro?
Por sorte, um deles morava perto da locadora de automóveis em Campinas.
Acertaram tudo e decidiram seguir viagem juntos no carro alugado.
Dentro do carro o clima já era outro. Falavam dos filhos, das esposas, das escolas dos filhos, dos desafios profissionais, de culinária e de esportes. Trocaram contatos.
No meio do caminho tiveram fome. Decidiram parar num restaurante de beira de estrada ao longo do percurso. Um comeu uma coxinha, o outro, um pão com mortadela e seguiram a viagem harmoniosa até que cada um encontrasse em sua casa a segurança no seio de suas próprias famílias.