Publicidade
Publicado 11/12/2017 - 07h42
Cozinhando um peru com ciência
Além de uma decoração natalina cheia de flocos de neve e um papai Noel vestido para o pior dos invernos, herdamos do hemisfério Norte também a tradição de comer algumas comidas específicas para as festividades de fim de ano. Entre elas, o peru. Quem cozinha sabe a dificuldade de cozinhar um peru adequadamente. Pelo seu tamanho, muitas vezes pode ficar cru no interior. Se cozinhar em uma temperatura muito elevada, ou por muito tempo, pode ficar completamente seco e sem graça. Como fazer então um peru perfeito?
O peru é uma combinação de três partes de água para uma parte de gordura e uma parte de proteína. A carne do peru vem de fibras musculares (majoritariamente proteínas). Ao cozinhar o peru, as fibras musculares se contraem até começarem a quebrar em torno dos 80°C. As ligações entre as moléculas começam a se quebrar, fazendo com que as proteínas se desemaranhem, e a consequência é o musculo se tornar mais macio. O colágeno na ave (uma das três fibras proteicas que conecta os músculos aos ossos) se quebra em moléculas mais gelatinosas enquanto ocorre o desenredar. A secura do peru é o resultado da coagulação dessas proteínas, que ocorre se o cozimento for muito longo.
Como o peru mais anda do que voa, ele contém mais gordura nas suas pernas do que no seu peito, o que resulta em uma enorme diferença nessas partes da ave, o que dificulta também que essas partes sejam cozinhadas de maneira igual. No peito a carne é branca, leve e enorme após séculos de reprodução em cativeiro. O peito deve ser cozinhado em alta temperatura para liberar sabor, e por pouco tempo, para evitar que resseque. Nas coxas e asas a carne é mais escura, que tem mais tecido conectivo e gordura. Os músculos das coxas são feitos de fibras musculares vermelhas que são adaptadas para o uso continuo e regular. A proteína usa oxigênio para relaxar e contrair, e por isso esse tecido é rico em capilares, o que dá essa cor e sabor intensos. A carne mais escura deve ser cozinhada em temperatura mais baixa, por um tempo mais longo, para permitir que os tecidos conectivos se quebrem. Naturalmente, a preferência entre a carne branca ou escura depende de cada um, mas para cozinhar com perfeição, há algumas dicas importantes:
O melhor é separar o peru, e cozinhar as carnes escuras e brancas separadamente.
Se for cozinhar junto, colocar uma folha de alumínio no peito para retardar o cozimento, e permitir que a carne escura cozinhe por mais tempo. Apenas é importante lembrar de tirar a folha de alumínio antes de terminar o cozimento completo.
Outra ideia é colocar um pacote de gelo no peito 30 minutos antes de cozinhar. Assim o peito vai começar a cozinhar com uma diferença de temperatura, e deve cozinhar mais devagar que a carne escura.
Mas isso não é tudo. A complexidade do processo é enorme, pois há muitos fatores que também podem afetar o cozimento. Ao pesquisar sobre o assunto, podemos encontrar milhares de dicas e truques para cozinhar o peru “perfeito”. Do ponto de vista científico, é curioso notar também que há diversos autores que propuseram diferentes soluções termodinâmicas para o problema, tentando encontrar alguma equação que descreva o processo (o que é bem complicado, pois não é um processo linear). Uma regra básica que encontrei foi a seguinte: calcule aproximadamente 40 minutos de forno médio (180°C) para cada quilo da ave (peru sem recheio). Mas naturalmente isso depende de muitos fatores, e pode variar de maneira muito drástica, dependendo do forno, se tem recheio, e de como o peru foi preparado antes do cozimento.
De fato, um dos elementos essenciais é a umidade. O liquido evapora durante o cozimento por um processo chamado migração de umidade. Os produtores de aves geralmente injetam caldo e outros ingredientes antes da venda, para manter o máximo de umidade na carne. Esse caldo contém sal, que mantém a habilidade de segurar líquidos. Alguns perus são injetados com fosfato de sódio, para deslocar o pH da ave e empurrar os filamentos para longe um do outro para deixar mais espaço para os líquidos. Por outro lado, perus que não foram congelados serão mais úmidos. O congelamento quebra células e permite que líquidos escapem. Mas hoje é quase impossível comprar um peru que não tenha sido congelado. Para contrabalançar o congelamento, você pode injetar caldo no peru descongelado, ou mergulhar em salmoura por um par de dias na geladeira. Isso pode acrescentar um pouco de umidade e sabor ao peru. Mas também se corre o risco de exagerar. Muito sal pode danificar a textura e a umidade.
O grande problema do peru é que só pensamos nele uma vez por ano, e não temos tempo de experimentar demais na cozinha. Como em qualquer receita, o melhor método é testar, provar, e tentar de novo, caso algo não dê certo. Mas faça isso antes da ceia, para evitar mais um assunto na já provavelmente conturbada reunião familiar!