Tempo é rei!
Publicidade
Publicado 04/12/2017 - 07h23

Tempo é rei!

Os tempos são raros no mundo contemporâneo. O tempo externo é escasso e acelerado e faz o tempo interno se tornar refém do ambiente externo. O tempo interno é aquele do seu corpo, do sentir, do sensorial, que é essencial ao ser humano e que permite a leitura do corpo emocional, físico, mental, das lembranças passadas e recentes. O tempo externo é o das vivências, que permite a experiência nova, que também será marcada no seu corpo. Mas estamos sem tempo de vivenciar e de sentir. E, por isso, não exercitamos a capacidade de experienciar, nem de olhar para dentro, ouvir a própria respiração. Muitos de nós estão sem tempo de conexão interna, que é vital para a vida, para muitas respostas e para a evolução.
E, daí, passamos a nos desconhecer. Isso porque por meio do sensorial é possível fazer a nossa leitura corporal, a mais sincera leitura sobre nós mesmos, aquela que deixa claro que o medo de abandono pode ser de uma cicatriz aberta por uma amamentação insatisfatória durante a primeira infância, ou então, resquícios daquele relacionamento recente. Sem esse tempo, não percebemos que nossa saúde está tão ameaçada quanto a de nosso planeta.
Dizem que vivemos a era da sustentabilidade, do orgânico. Não usamos mais sacolas de supermercado, reciclamos o lixo. Mas não nos preocupamos com a nossa reciclagem pessoal e com a nossa sustentabilidade emocional e afetiva. Pouco se fala sobre essa sustentabilidade, a das relações, a do afeto. Poucos pensam sobre a importância de restituir o tempo das relações internas e externas. E o planeta não fará nada por isso...
No acelerado ritmo atual, estamos vivendo mais sobre o presente do que o presente. Um erro, para dizer o óbvio. Hoje se vive mais instantes e menos raízes, mais emoções e menos sentimentos, mais excitações e menos consciência. Enfim, vivemos com muitas redes e formas de comunicação, porém, com cada vez mais informações, menos saber e quase sem relações verdadeiras. O Santo Graal do hoje pode ser a restituição do nosso ritmo, do nosso sentir no corpo, do nosso saber no tempo e do sabor do nosso tempo interno ao longo das histórias das nossas relações afetivas.
Estamos doentes, sofrendo a doença da dissociação entre o sentir, pensar e agir. Pulamos lutos. Não sentimos mais as perdas. Muitas pessoas vivem a perda por um dia e no dia seguinte já não se lembram mais dela. Isso é positivo? Por mais que se diga que é preciso ‘tocar a bola pra frente’, é também necessário sentir a falta da bola. Não estamos atendendo nossas necessidades primárias. Elas estão sendo mascaradas pela aceleração das ideias e pelo volume de informações. Temos muito movimento, pouca pausa. E nesse ritmo, o vazio das relações e do afeto, que gera depressão, é maquiado pelo fazer e pela correria da vida.
O hiperconsumo também é maquiagem contemporânea em uma sociedade em que o consumo passa a ser confundido como uma forma de afeto e potência. O valor da pessoa passou a ser medido pelo que ela possui em excesso em lugar do que ela , de fato, é e do que ela sente. O ter é maior que o ser em um tempo onde o sentir é preterido. O resultado é a baixo estima, que acarreta em um trabalho sem precedentes para a auto-imagem e não para as relações e pra a sustentabilidade afetiva. Usar uma bolsa Chanel ou um modelito Prada para se auto afirmar é confundir ser com ter, potência com poder. Outras máscaras ou maquiagens que estão associadas a falta de afeto, sentir e das relações são as compulsões por comida, magreza, sexo, drogas e demais excessos. Todas muito nocivas e presentes em uma época onde a violência, a falta de afeto, abandono e abuso são tão comuns quanto a falta de tempo interno e externo.
O sociólogo Zygmunt Bauman descreve esta nossa sociedade como Líquida, onde nada tem consistência ou estabilidade (as relações humanas, a vida em família, as afinidades políticas). E o líquido parece ser fruto de uma fixação oral, onde se permanece bebê nas relações, o que resulta em uma realidade adulta sem estrutura ou forma, onde todos perdemos. Para sanar isso, é preciso recombinar a inteligência do pensar com a inteligência do sentir. Só assim evoluiremos sem sucumbir como espécie. Portanto, a sustentabilidade emocional e afetiva me parece a mais importante do que qualquer sustentabilidade econômica do planeta. Não menosprezando nenhuma delas, é claro. Tanto que escrevi ‘a mais importante’.
Reflita sobre quanto tempo você se dedica à sua vida relacional, seu sentir e intimidade Quanto tempo você usa para cuidar do seu tempo interno? Ele existe no seu cotidiano ou é seqüestrado pelo seu tempo externo? Reflita e recicle-se.