Fase oral
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Publicado 18/01/2018 - 14h00

Fase oral

Você que leu os artigos anteriores já sabe como os ouvidos, o nariz e  os olhos funcionam como uma espécie de porta de entrada para o relacionamento humano. Isso porque são os órgãos dos sentidos, logo, ferramentas fundamentais de decodificação do mundo externo e interno. Agora, convido vocês a apronfudar um pouco mais o conhecimento da função da boca nas etapas do desenvolvimento psicoafetivo. Vamos falar da fase oral, que acontece no primeiro ano de vida do ser humano.
Após o nascimento, o bebê se ocupa do corpo da mãe, liga-se a ele por meio dos braços e seios, usando a boca para esse contato. É pela boca que o bebê recebe o alimento físico e afetivo para sua sobrevivência e desenvolvimento.
A mãe, a primeira referência, lhe dá amor através dos seios fartos de leite, e o bebê aprende a amar sugando o leite e  esvaziando o seio dolorido por estar cheio de leite. Assim se faz a relação de gratidão entre mãe e bebê. Neste momento, a mãe carinhosa e acolhedora troca e se comunica com o bebê  e o ensina a se vincular à vida. O mesmo vale para a amamentação via mamadeira. O mais relevante para a relação do bebê com o afeto é o comportamento da mãe no ato da alimentação, e não o meio como é realizada. Ou seja, uma mãe fria pode amamentar pelo seio, e uma mãe carinhosa pode usar a mamadeira. Faço questão de frisar: o importante é como a relação se dá, e não o meio utilizado para a alimentação. Pois é nessa relação (de dependência física e emocional onde sem o outro não se pode sobreviver) que o bebê aprende a se aproximar do outro e  a se afastar e voltar pra si.
Ter a proximidade,  a intimidade e ,ao mesmo tempo , ter  a sua individualidade sem perder o outro, esse é o exercício que acontece durante esse ato essencial e que afetará a autoestima e as possibilidades de organização futura do bebê.
A fase oral dá a base de nossa sustentabilidade afetiva. Isso mesmo: a boca é nosso eixo emocional. A fase oral é, portanto, fundamental para estruturação da sua realidade interna por meio da conexão com a realidade externa. A maneira como você vive as experiências de sua vida, como se sustenta nela e  busca  atender suas necessidades e desejos está totalmente ligada ao funcionamento da sua boca e  da sua oralidade.
A pessoa  que viveu muito estresse nesta fase ou não satisfez suas necessidades básicas (de nutrição, calor e afeto) pode sentir a vida como uma  eterna luta pela sobrevivência. Vive como se estivesse em campo de guerra, com a ideia de que falta tudo, alimento e dinheiro, mesmo quando não falta. O resultado é a privação, o medo da falta, baixa estima, a (falsa) ideia de que não há na existência espaço para o prazer e o relaxamento. Por se considerar uma pessoa necessitada tende a estar mais encolhida e tem dificuldade de expandir e crescer.
Não é incomum que esse sentimento de desnutrição durante a fase oral resulte também em personalidades preguiçosas, fracas e sem energia, até mesmo quando a vida é farta e confortável. Sim, estou falando da (o) pobre menina(o) rica (o). Daqueles que sempre vivem com um vazio por não ter o ingrediente básico da nutrição da vida: o amor. São pessoas carentes, com o sentimento do abandono, da passividade,  da dependência  e da falta de estrutura emocional e física. Características já sinalizadas na etapa inicial da vida, sentidas através da boca, da alimentação materna afetiva.
Pode parecer cruel, mas logo no nosso primeiro ano de vida conhecemos o prazer e a dor por meio da boca. A satisfação nesta fase se dá pelo sugar, mastigar, comer, morder, cuspir, engolir. Tanto a satisfação alimentar, quanto a emocional. E a satisfação insuficiente  ou excessiva pode criar uma tendência a depressão ou a ansiedade no futuro. Vale frisar que a fase oral é dividida em duas etapas: a passiva (fase do sugar) e a sadica (fase do aparecimento dos dentes), sendo a mãe e o seio  os principais objetivos das duas. E é nessa divisão que está o sentimento de ambivalência comum na maior parte dos relacionamentos humanos.
Reflexos futuros
Aqui já ficou claro que disfunções da boca/alimentação na fase oral acarretam em diversas consequências na vida adulta. Pela boca podemos sentir o gosto de nossa vida emocional. Além das características já citadas, dores de amor, depressões, fomes de afeto, angustias, ansiedades e raiva podem ter origem na fase oral.
Muitas pessoas sofrem na vida adulta estresses que são ignorados nesta fase (importantíssima, diga-se) por falta de conhecimento dos pais e dos profissionais de saúde. O não diagnóstico em tempo hábil, acaba as afastando de suas próprias naturezas. A sustentabilidade afetiva, como defendo aqui nesta coluna, é crucial, e escrita no corpo a partir dos primeiros momentos de vida.
Vamos aos exemplos. O bebê morde e mostra que já tem dente e que já pode se defender ou ser destrutivo. Os adultos usam os dentes para se defender (momentos de estresse ou combate), para socializar (abrindo aquele sorriso), para se nutrir (mastigar) e também para ser cínico (sorriso amarelo, sabe?).
O bebê cospe o leite e o rejeita, ou engole o leite forçosamente. Há adultos que não conseguem dizer não e vivem a engolir tudo o que vem pela frente por causa da baixo estima. E há outros que não engolem nada, vivem introversos e sem trocar com o mundo. Ou seja: os comportamentos imaturos mostram uma fixação na fase oral.
Quantas pessoas você conhece que (sem perceber) descontam suas insatisfações pela boca? São pessoas que inconscientemente usam a boca para suprir o que lhes faltou na fase oral, e comem em excesso, falam demais, fumam, bebem em demasia ou mascam muito chiclete. Algumas pessoas negam a depressão e seguem em frente cerrando os dentes, e se tornam pessoas ansiosas, possessivas, ciumentas e desconfiadas. O modo como você reage emocionalmente pode mostrar o seu tipo de depressão. 
Há ainda um outro exemplo, muito ligado a dependência, que é fruto da idealização do universo  feminino na cultura patriarcal: a eterna espera pelo príncipe encantado que nunca chega,  e quando chega decepciona. A mulher que aguarda essa grande chegada tem a mesma sensação de alguns bebês que esperam o leite morno e acolhedor. Ele espera pela mãe (ansiosa ou ausente, neste caso) que o priva de sua presença ,o levando a um estresse pela  falta do preenchimento desta necessidade. Falando em relacionamentos, não dá para esquecer que quando se fala “ele é gostoso” ou “ela é gostosa”, estamos nos expressando segundo nossa oralidade, dando a entender que queremos “comer”, “saborear”, aquela “deliciosa” pessoa.
A vida é feita de sabor. E o gosto da vida é definido e escrito ainda em nossa fase oral. Nela -- e através da boca -- captamos as bênçãos e promessas de coisas boas que estão por vir. E tudo que  nos interessa é a abundância do amor da mãe da gente, de colo e de muita disponibilidade. Experimente vários sabores, busque por mais opções e tenha mais prazer no dia a dia. Leve uma vida que dá gosto!