A ciência de uma boa xícara de café
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Publicado 12/02/2018 - 09h26

A ciência de uma boa xícara de café

Há diversas situações do dia a dia que não notamos, mas fazemos regularmente. Por exemplo, entre as bebidas que consumimos com regularidade, somente o café não está pronto para o consumo. Por exemplo, vinho e cervejas artesanais já são comprados prontos para consumir. As únicas variáveis que podem afetar o sabor são a conservação e a temperatura em que são servidos. Já o café é diferente, pois o sabor varia consideravelmente dependendo da torrefação, moagem e preparação final.
Assim como no dia a dia do laboratório de pesquisa, a produção de uma boa xícara de café depende de diversas variáveis, que precisam ser controladas para conseguir repetir, caso o resultado seja positivo. Entre essas variáveis estão a temperatura, a água usada, a distribuição de tamanhos do pó de café, quantidade de água, tempo, e também, é claro, a qualidade do café. Pesquisas indicaram que as pessoas em geral gostam de bebidas que contenham os constituintes do café de 1,2 a 1,5 % (em massa), como no caso do café filtrado, ou de 8 a 10 % (em massa), como no caso de um expresso. É bem complicado conseguir concentrações fora desses intervalos. Para conseguir um café que tenha de 1,2 a 1,5 % de café há várias técnicas: coador (de pano ou de papel), café turco, café árabe, aeropress, prensa francesa, cafeteira italiana (Moka), entre outros. Dá também para conseguir essa concentração ao diluir um café expresso em água, até atingir a concentração de café filtrado (conhecido como Americano). Apesar de conseguir aproximadamente a mesma concentração de café na xícara, cada um desses métodos resulta em um café com gosto completamente diferente. A explicação depende do encontro do café com a água. Existem os métodos onde o pó de café é completamente imerso na água, e outros que fazem a água fluir através de uma camada de café. Do ponto de vista físico, a principal diferença é que a temperatura do pó de café é mais elevada no sistema de imersão (onde também é possível controlar melhor o tempo). Em uma temperatura mais elevada aumenta a velocidade com que o “sabor” do café se move através da partícula sólida, facilitando a extração. Mas uma temperatura mais elevada também implica na extração de compostos indesejados que estão presentes no café. Ou seja, uma temperatura mais elevada permite extrair melhor o gosto do café, mas provoca também a extração de gostos que não nos resultam muito agradáveis (como gosto de madeira, ou grama, ou mofado, entre outros).
Os diferentes sistemas de fluxo são mais complicados que aqueles de imersão. O tamanho do pó influencia diretamente a velocidade do fluxo. A razão café/água também importa, evidentemente. Quando se usa um pó mais fino para aumentar a extração (mais superfície de café), invariavelmente é mudado o tempo de contato entre a água e o café, pois a água flui mais devagar com grãos mais finos. Eventualmente poderíamos diminuir a razão café/água usando menos café, mas quando a massa de café é reduzida o tempo de fluxo também decresce. Ou seja, a otimização do café filtrado tem diversas dimensões, que influenciam uma à outra.
Há outras variáveis mais sutis, como a química da água, a distribuição de tamanhos de grãos produzidos pelo moedor e o frescor do café. Sobre a qualidade da água, a acidez da água pode ter um efeito considerável, pois o café é uma bebida ácida. Água que contem contém baixos níveis de íons de cálcio e bicarbonato (HCO??) resultará em um café mais ácido, com um paladar amargo. O oposto vai produzir uma xícara com sabor a giz (calcário). O ideal é ter uma água com concentração de bicarbonato controlada e intermediária, e não sabemos qual é exatamente essa concentração em nossas casas. É fácil fazer um teste, usando água mineral com alta concentração de bicarbonato (como água com gás), e veja como fica o café.
Na questão dos moedores, não há consenso. Alguns acham que o ideal é moer o café tão fino quanto possível para maximizar a área superficial, o que permite extrair os sabores mais gostosos em altas concentrações. Entretanto, outros acham que o melhor é moer o pó em tamanhos maiores, para evitar a produção de partículas finas que deixem sabores desagradáveis.
O frescor do café também é fundamental. O café torrado contém uma quantidade significativa de CO2 e outras moléculas voláteis que estão prezas na matriz do café sólido. Com o tempo, essas moléculas orgânicas gasosas escapam do grão. Com menos voláteis, o sabor do café fica mais pobre. A maioria dos bons cafés não servem café com mais de quatro semanas a partir da torrefação. Para retardar esse processo a sabedoria popular indica que o ideal é guardar o café em um recipiente fechado no freezer, o que é comprovado na química pela famosa equação de Arrhenius.
Assim, não é à toa que nem sempre tomamos uma boa xícara de café. As variáveis são complicadas e difíceis de reproduzir, além de ter uma boa dose de subjetividade. O bom é que temos a cada dia mais opções de bons cafés, e boas cafeterias, para testar e consumir a cafeína, tão importante na vida cotidiana. Como essa cafeína age? Isso fica para uma próxima oportunidade...
Adaptado de: https://theconversation.com/brewing-a-great-cup-of-coffee-depends-on-chemistry-and-physics-84473