Direito ao Esquecimento
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Publicado 14/03/2018 - 15h38

Direito ao Esquecimento

Atualmente, temos enfrentado a problemática do direito ao esquecimento. Muitas pessoas têm procurado a Justiça para fazer desaparecer notícias e informações desabonadoras constantes da rede mundial de computadores, depois de muito tempo da ocorrência desses fatos.
Mas, o que é o direito ao esquecimento?
O direito ao esquecimento é o direito que uma pessoa possui de não permitir que um fato, ainda que verídico, ocorrido em determinado momento de sua vida, seja exposto ao público em geral, causando-lhe sofrimento ou transtornos.
Também é chamado de "direito de ser deixado em paz" ou o "direito de estar só".
Nos EUA, é conhecido como the right to be let alone e, em países de língua espanhola, é alcunhado de derecho al olvido.
No Brasil, o direito ao esquecimento possui assento constitucional e legal, considerando que é uma consequência do direito à vida privada (privacidade), intimidade e honra, assegurados pela CF/88 (art. 5º, X) e pelo CC/02 (art. 21). É também uma decorrência da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88).
A discussão quanto ao direito ao esquecimento envolve um conflito aparente entre a liberdade de expressão/informação e atributos individuais da pessoa humana, como a intimidade, privacidade e honra.
O direito ao esquecimento não é uma criação recente. Há muitos anos discute-se esse direito na Europa e nos EUA.
Por que, então, esse tema está sendo novamente tão discutido?
O direito ao esquecimento voltou a ser tema de inegável importância e atualidade em razão da internet. Isso porque a rede mundial de computadores praticamente eterniza as notícias e informações.
O direito ao esquecimento aplica-se apenas a fatos ocorridos no campo penal?
Não. A discussão quanto ao direito ao esquecimento surgiu, de fato, para o caso de condenados, que, após determinado período, desejavam que esses antecedentes criminais não mais fossem expostos, o que lhes causava inúmeros prejuízos. No entanto, esse debate foi se ampliando e, atualmente, envolve outros aspectos da vida da pessoa que ela almeja que sejam esquecidos.
Vale ressaltar, que existem doutrinadores que criticam a existência de um "direito ao esquecimento".
Sem dúvida nenhuma, o principal ponto de conflito quanto à aceitação do direito ao esquecimento reside justamente em como conciliar esse direito com a liberdade de expressão e de imprensa e com o direito à informação.
Em março de 2013, na VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal/Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado um enunciado defendendo a existência do direito ao esquecimento como uma expressão da dignidade da pessoa humana. Veja:
Enunciado 531: A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento.
Apesar de tais enunciados não terem força cogente, trata-se de uma importante fonte de pesquisa e argumentação utilizada pelos profissionais do Direito.
O Superior Tribunal de Justiça acolhe a tese do direito ao esquecimento. A 4ª Turma do STJ, em dois julgados importantes, afirmou que o sistema jurídico brasileiro protege o direito ao esquecimento (REsp 1.335.153-RJ e REsp 1.334.097-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgados em 28/5/2013).
Como conciliar, então, o direito ao esquecimento com o direito à informação?
Deve-se analisar se existe um interesse público atual na divulgação daquela informação.
Se ainda persistir, não há que se falar em direito ao esquecimento, sendo lícita a publicidade daquela notícia. É o caso, por exemplo, de "crimes genuinamente históricos, quando a narrativa desvinculada dos envolvidos se fizer impraticável" (Min. Luis Felipe Salomão).
Por outro lado, se não houver interesse público atual, a pessoa poderá exercer seu direito ao esquecimento, devendo ser impedidas notícias sobre o fato que já ficou no passado.
O Min. Luis Felipe Salomão também ressaltou que "ressalvam-se do direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos – historicidade essa que deve ser analisada em concreto – cujo interesse público e social deve sobreviver à passagem do tempo" (REsp 1.334.097).
Direito ao esquecimento x direito à memória.
O reconhecimento do "direito ao esquecimento" passa por outro interessante desafio: como conciliá-lo com o chamado "direito à memória e à verdade histórica"?
Em que consiste o direito à memória?
Em se tratando de Brasil, podemos conceituar o direito à memória e à verdade histórica como sendo o direito que possuem os lesados e toda a sociedade brasileira de esclarecer os fatos e as circunstâncias que geraram graves violações de direitos humanos durante o período de ditadura militar, tais como os casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres etc.
O direito à memória também encontra fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana e no compromisso do Estado constitucional brasileiro de assegurar o respeito aos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88).
O direito à memória foi regulamentado pela Lei n.º 12.528/2011, que criou a Comissão Nacional da Verdade, destinada a apurar as circunstâncias em que ocorreram violações a direitos humanos durante o período de ditadura militar.
O direito ao esquecimento não tem o condão de impedir a concretização do direito à memória. Isso porque as violações de direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar são fatos de extrema relevância histórica e de inegável interesse público. Logo, em uma ponderação de interesses, o direito individual ao esquecimento cede espaço ao direito à memória e à verdade histórica.
Como se percebe, cuida-se do antigo conflito entre os interesses individuais e os coletivos. Caberá ao Judiciário, em cada caso concreto submetido ao seu crivo, estabelecer os parâmetros em que tal direito pode ser exercido, tendo sempre como norte que a vida em sociedade impõe limitações e, consequentemente, frustrações.
Freud dizia que há um mal-estar na civilização (cultura).
Boa semana.
Texto escrito com base no artigo de Flávia Teixeira Ortega, publicado no site jusbrasil.com.br.