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Publicado 02/05/2018 - 07h20
Gravação magnética e spintrônica - Parte II
O princípio da gravação e leitura magnética é relativamente simples. Na gravação magnética convencional um cabeçote magnético indutivo é usado para "escrever" a informação em um meio de gravação magnética (fita ou disco). Esse meio se move com relação ao cabeçote e assim os bits (transições entre regiões magnetizadas em sentidos opostos) são gravados ao aplicar pulsos de correntes positivas ou negativas à bobina. O mesmo cabeçote pode ser utilizado para ler a informação, pois o movimento do cabeçote em relação ao meio magnético induz pequeníssimas correntes na bobina sensora, que são detectadas após uma cuidadosa amplificação e processamento. O sinal obtido está diretamente relacionado com a velocidade relativa do cabeçote e com o tamanho do bit.
Em estruturas formadas por sanduíches de Ferro “recheados” com uma camada de três átomos de Cromo, os pesquisadores mediram a resistência elétrica do sistema, para diferentes campos magnéticos aplicados. Quando as camadas de fora do sanduíche estão com alinhamento magnético contrário um ao outro, o dispositivo tem resistência elétrica alta. Entretanto, quando o alinhamento é paralelo (gerado pelo campo magnético externo), a resistência é menor, da ordem da metade da configuração anterior (50%). A surpresa residia no fato de que até então uma variação máxima de cerca de 2% era conhecida, e, portanto, o fenômeno ganhou o adjetivo “gigante”. A explicação do efeito é razoavelmente complexa, e está fortemente relacionada com a mobilidade eletrônica em materiais magnéticos. De fato, o efeito GMR só foi descoberto graças ao impressionante desenvolvimento de diversas áreas da Física da Matéria Condensada, em particular, o crescimento de filmes finos. Em meados dos anos 1980 era finalmente possível crescer filmes ultra-finos, e controlar isso de uma maneira adequada. Variando sistematicamente a espessura da camada de Cr, foi possível encontrar uma espessura ideal, onde as camadas externas de de Fe possuíam momentos magnéticos apontando em sentidos contrários. Nesse caso, a aplicação do campo leva a uma configuração onde os momentos magnéticos de ambas camadas se alinham. Essa mudança é fundamental para entender o fenômeno físico. O que ocorre é que os elétrons de condução dos materiais não possuem apenas a carga, mas também uma outra propriedade denominada spin, que pode ter essencialmente dois valores: “para cima” e “para baixo”. Pode-se considerar que a corrente elétrica é o resultado de duas correntes paralelas, uma devida aos elétrons com spin para cima, e outra com elétrons com spins para baixo. O que leva à magnetoresistência é o fato que a resistividade elétrica depende da orientação relativa entre o spin do elétron e a magnetização do material. Quando os sentidos são iguais, a resistividade é baixa, e quando eles são opostos, a resistividade é baixa. Assim, ao ter um sistema com orientações anti-paralelas ambos canais de spin terão resistividades equivalentes, e a resistividade total do sistema será elevada. Por outro lado, quando pelo menos um dos canais tem resistividade baixa, a resistividade do sistema será baixa também.
A descoberta da magnetoresistência gigante rapidamente entusiasmou a indústria da informática, que vivia de ler campos magnéticos muito pequenos nos discos rígidos ou flexíveis. Ter um efeito maior significava poder ler coisas menores e com mais precisão. A utilização da magnetoresistência gigante na construção de cabeçotes de leitura permitiu que se convertessem alterações mínimas de campos magnéticos em diferenças significativas na resistência elétrica e, por sua vez, em diferenças de sinal elétrico "facilmente" observáveis pelo cabeçote de leitura. Assim, após essa descoberta uma nova tecnologia tem crescido continuamente nestes últimos anos, que são os chamados cabeçotes ativos, quase sempre baseados no fenômeno da magnetoresistência. Um cabeçote magnetoresistivo pode detectar um bit de informação ao passar por ele, pois este mudaria a sua resistência elétrica pela presença do campo magnético. Além disso, os cabeçotes magnetoresistivos não precisam ter uma geometria complicada, e eles podem ajudar a aumentar a densidade de informação contida nos discos magnéticos atuais, já que são capazes de ler as informações mesmo em maior densidade. Na realidade os mais modernos cabeçotes de seu disco rígido usam um efeito conhecido como “válvula de spin”, que é uma adaptação inteligente do efeito originalmente descoberto. O efeito válvula de spin foi amplamente estudado, otimizado e implementado pelo grupo do Dr. Stuart Parkin, nos laboratórios da IBM em Almaden, nos Estados Unidos. O uso da tecnologia de válvulas de spin nos cabeçotes de leitura possibilitou um aumento de mais de 100 vezes da densidade de armazenamento de informação dos discos rígidos de 1998 até hoje.
Os discos magnéticos comerciais podem guardar mais de cinquenta megabits por centímetro quadrado (Mbits/cm2), e espera-se muito brevemente atingir densidades de até mais um gigabit por centímetro quadrado (ou seja, para ter um disco rígido de 40 Gbits bastaria um disquinho de pouco mais de 3,5 cm de raio). A tecnologia envolvida nesse desenvolvimento é muito delicada, pois altas densidades de bits requerem que as cabeças de leitura e gravação sejam muito sensíveis e estejam muito próximas ao disco. Ao buscar aumentar a densidade de bits, há novos desafios a vencer para fabricar o material magnético do qual o disco é produzido (que deverá manter a informação gravada ao longo dos anos), para fabricar o material magnético do cabeçote de gravação (que fará o processo de escrever e ler a informação), e também no desenho geral do sistema, onde os atritos devem ser minimizados e colisões evitadas. Hoje em dia a maioria dos discos de computador é feita de filmes finos metálicos, de espessura inferior a 100 nanometros, quase sempre de ligas a base de Cobalto.
Apesar de ser uma descoberta de menos de vinte anos, hoje em dia o fenômeno da GMR é utilizado na enorme maioria dos cabeçotes de leitura dos discos rígidos de computadores, e toda uma nova área da Física, conhecida como eletrônica de spin, ou spintrônica, tem se desenvolvido a partir dessa descoberta.
Spintrônica
Além dos avanços na tecnologia relacionada com a leitura e gravação magnética, no que se refere a avanços na mídia de gravação e nas cabeças de leitura, há todo um campo novo que vem surgindo nos últimos anos, que promete literalmente revolucionar o nosso conceito de armazenamento e leitura de dados no computador. Até hoje todos os componentes eletrônicos utilizavam somente uma propriedade dos elétrons, a sua carga. E mesmo assim maravilhas como o transistor foram desenvolvidas e aprimoradas. Mas após a descoberta da magnetoresistência gigante em 1988, vislumbrou-se a possibilidade de poder também controlar outra propriedade eletrônica, o spin. Com isso, vêm surgindo uma série de idéias e protótipos que utilizam as incríveis propriedades de correntes elétricas com elétrons com apenas uma direção de spin bem definida, que atualmente podem ser bem controlados. Essa nova área de tecnologia de ponta vem sendo conhecida como eletrônica de spin, ou simplesmente spintrônica. Já existem protótipos de transistores de spin e até memórias comerciais não-voláteis que utilizam essa tecnologia.
Ninguém sabe ao certo aonde essas pesquisas irão levar, mas sabe-se que certamente irão revolucionar o futuro da eletrônica e da informática, e ate muito dos eletrodomésticos convencionais, com a massificação da incorporação de microprocessadores e outros dispositivos nos mesmos. Vale a pena destacar que toda essa atividade de pesquisa iniciou-se e teve continuidade com a presença importante de pesquisadores brasileiros, que têm contribuído enormemente para fazer desta área uma das mais ativas no mundo da tecnologia, apesar das enormes dificuldades de fazer pesquisa de ponta no Brasil.