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Publicado 04/07/2018 - 10h50
A Educação Superior na era da Globalização
A educação superior está passando por um período de grandes transformações. Há diversos fatores que indicam que a internacionalização da educação superior é um fenômeno que tenderá a crescer muito nos próximos anos, e, dependendo das estratégias que devem ser empregadas imediatamente (pois são necessariamente de médio e longo prazo), alguns países poderão ter uma vantagem competitiva importante. Evidentemente, do ponto de vista acadêmico a internacionalização é sem dúvida alguma um ganho importante na formação dos estudantes. Além da riqueza da experiência internacional para os estudantes que têm a possibilidade de realizar um estágio no exterior, a presença de uma diversidade cultural no campus representa um fator fundamental para uma formação mais ampla, ancorada em valores democráticos, ética, diálogo, e compreensão mútua. Entretanto, é importante destacar que a internacionalização do ensino superior é um processo onde há outros elementos em jogo, e certamente as pressões do mercado e as necessidades dos diversos atores deste complexo sistema determinarão o cenário mundial dos próximos anos.
Só para citar alguns exemplos, listo, a seguir, alguns pontos de destaque no cenário mundial. Vale, entretanto, destacar que esta é uma análise muito superficial e simplória, e serve apenas para indicar possíveis tendências.
(I) mudança na demografia mundial: com o declínio das taxas de natalidade nos países mais desenvolvidos, a África, Ásia e América Latina são essencialmente os responsáveis pelo crescimento populacional mundial. Uma consequência imediata é a falta de mão de obra qualificada nos países desenvolvidos, levando a políticas mais agressivas de imigração e recrutamento de estudantes estrangeiros (fato que já vem ocorrendo em diversos países). Por outro lado, as grandes taxas de crescimento em países que não têm uma estrutura educacional bem estabelecida leva, naturalmente, à busca de oportunidades em outros países. Com o aumento populacional e envelhecimento da população, há pressões sociais naturais para mudanças na destinação de recursos públicos, da educação para a saúde, por exemplo. Não é claro, nesse cenário, como diversos países (incluindo os países do chamado BRIC: Brasil, Rússia, Índia e China), vão responder à demanda pela massificação do Ensino Superior, que em alguns países já atinge 40 a 50% da população jovem (média mundial em torno de 25%).
(II) Educação como mercado global: Estima-se que atualmente aproximadamente 3 milhões de estudantes tenham a possibilidade de ter uma experiência internacional, e algumas estimativas indicam que esse número possa chegar a seis milhões em 2025. Como a demanda global por vagas excede a oferta, há certamente uma competição que vem se acirrando ano após ano. Alguns países já enxergaram claramente a oportunidade que isso representa, e vêm estimulando fortemente a mobilidade de estudantes. Além disso, as agendas políticas têm, em muitos casos, favorecido o intercâmbio, e obrigando a formação a ser mais internacional, com bolsas de estudo e reconhecimento de disciplinas e cursos realizados em outros países (o exemplo mais importante é certamente o Processo de Bologna, que vem ocorrendo na Europa). Além disso, a globalização da economia tem levado cada vez mais a uma globalização do mercado de trabalho. Isso vai de encontro com a agenda da investigação científica, que por natureza já é internacional. Assim, a questão da comunicação torna-se um fator crucial, e o inglês (idioma dominante no mundo dos negócios e da pesquisa) é naturalmente a língua preferencial. A tendência é que cada vez mais sejam cobradas taxas, e que o estudante seja considerado um “cliente”. Nesse sentido, os países onde inglês é o idioma utilizado na educação superior já têm uma vantagem competitiva nesse complexo “mercado” da educação. Esses países certamente incluem os EUA, Austrália e Reino Unido, mas também incluem a Índia, África do Sul, Hong Kong, Singapura, e outros países que utilizam o inglês preferencialmente, seja na Europa, África ou sudeste asiático.
(III) Financiamento público em declínio: O gasto público por estudante está caindo globalmente, e os governos repassam os custos para as instituições e para os estudantes. Há pressões para uma transparência cada vez maior nas ações das universidades, no que se refere aos recursos financeiros, atividades desenvolvidas e resultados, e com isso, há uma tendência para que as Universidades sigam um modelo mais “comercial”, com planejamento estratégico, com foco na eficiência. A falta de recursos públicos tem estimulado algumas parcerias criativas com o setor privado em muitas universidades públicas, principalmente para a construção de prédios ou realização de programas específicos. Além de estimular a educação como um bem ou produto que pode ser vendido no mercado (nacional ou internacional), a diminuição de recursos públicos torna o planejamento a longo prazo algo extremamente difícil.
(IV) Mudanças no cenário mundial da educação superior: Apesar de todas as críticas recebidas, os rankings das instituições de ensino superior têm sido utilizados para moldar algumas políticas públicas em alguns países, como Japão, Hong Kong e Coréia do Sul. Outros planejam ações com metas ambiciosas (como a China). Uma análise dos diversos rankings indica que há uma tendência de presença cada vez mais importante de países fora do eixo tradicional, como uma estratégia deliberada de se tornar centros (hubs) educacionais importantes em sua região de abrangência. Vale citar o caso da China, Singapura, Malásia, Coréia do Sul e os Países do Golfo que têm a ambição de se tornar centros educacionais e de pesquisa de nível mundial, desafiando os EUA e a Europa. Nessa estratégia, eles têm cooperado com consagradas universidades, gerando um amplo debate sobre os modelos de internacionalização em todos os países envolvidos. Vale destacar, neste caso, a ausência da África e da América Latina neste processo, fato que merece atenção dos responsáveis pela educação nessas regiões.
Além dessas questões, não mencionei ainda o papel do ensino à distância, a instabilidade política de diversas regiões, as crises econômicas que cada vez mais assumem um caráter global, os desastres naturais, a diversificação do ensino superior, com cursos de formação geral e cursos técnicos, entre outros. Entretanto, os poucos pontos levantados acima já indicam a complexidade destas questões, que dependem de tantos fatores que se torna praticamente impossível prever o que de fato vai ocorrer no futuro. Não se trata aqui de tomar partido ou defender algum ponto de vista, mas simplesmente a ideia é mostrar que há um movimento mundial importante no que se refere ao futuro do Ensino Superior, e nesse contexto, a uma corrida por “cérebros”, sejam eles professores em final de carreira que buscam novas oportunidades profissionais e/ou o retorno ao seu país de origem, pesquisadores em início de carreira buscando uma colocação que lhes permita um futuro mais promissor, ou mesmo estudantes, que buscam alternativas interessantes para uma vida ainda cheia de perspectivas. Nesse contexto, o caso da América do Sul, e em particular, do Brasil, merece uma discussão mais aprofundada, que será realizada em outra oportunidade.