O Futuro da Educação Superior na América Latina e no Caribe
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Publicado 16/07/2018 - 10h19

O Futuro da Educação Superior na América Latina e no Caribe

Em junho de 2018 tive a honra de participar da 3ª Conferência Regional de Educação Superior de América Latina e Caribe (CRES 2018), em Córdoba, Argentina. Trata-se de uma das maiores conferências de dimensão regional organizada pelo Instituto Internacional para a Educação Superior na América Latina e Caribe (IESALC) da UNESCO, a Universidade Nacional de Córdoba, o Conselho Interuniversitário Nacional da Argentina (CIN) e a Secretaria de Políticas Universitárias do Ministério de Educação e Desportos da República Argentina (SPU).
É o evento mais importante do sistema de Educação Superior da América Latina e do Caribe. Reitores e reitoras, diretores e diretoras, acadêmicos, docentes, estudantes, funcionários, e representantes de diversas organizações governamentais e não-governamentais se reuniram para debater a situação do sistema educativo na região, e delinear um plano de ação para a próxima década, orientado na necessidade de reafirmar o sentido da educação como bem social, direito humano e responsabilidade do Estado.
A CRES 2018 coincidiu com as celebrações do centenário da histórica reforma de Córdoba, evento que ocorreu a partir de manifestações estudantis (ver http://www.correio.rac.com.br/_conteudo/2018/06/opiniao_segunda_feira/567364-cem-anos-da-reforma-universitaria-de-cordoba.html). A partir das discussões e dos encontros preliminares, foi redigida uma declaração, que resume de maneira bem fidedigna as discussões realizadas (ver http://www.cres2018.org/uploads/declaracion_cres2018%20(2).pdf). Abaixo, fiz uma adaptação livre da introdução dessa declaração.
Declaração CRES 2018
As mudanças drásticas que estão ocorrendo neste mundo em crise nos convocam a lutar por uma mudança radical por uma sociedade mais justa, democrática, igualitária e sustentável. Faz um século um movimento reformista de estudantes em Córdoba proclamou que “los Dolores que nos quedan son las libertades que nos faltan” (as dores que ficam são as liberdades que faltam), e por incrível que pareça não podemos esquecer essas dores, pois são muitas, pois ainda temos muita pobreza, desigualdade, marginalização, injustiça e violência social. Os acadêmicos de hoje, como aqueles há um século, devem se pronunciar a favor da ciência desde o humanismo e a tecnologia com justiça, pelo bem comum e direitos para todas e todos.
Devemos reivindicar pela autonomia que permite à Universidade exercer seu papel crítico e propositivo frente à sociedade sem que existam limites impostos pelos governos de plantão, crenças religiosas, o mercado ou interesses particulares. Essa é a defesa do compromisso social da universidade. A educação, a ciência, a tecnologia e as artes devem ser garantidas sem distinção social, de gênero, etnia, religião, nem idade, sendo assim, um meio para a liberdade e equidade. Pensar que as tecnologias e as ciências resolverão os problemas da humanidade é importante, mas não suficiente. O diálogo de saberes deve ser plural e igualitário para ser universal.
As débeis regulações da oferta estrangeira, e algumas políticas públicas, têm aprofundado os processos de transnacionalização e a visão mercantilizada da educação superior, impedindo ou mesmo cerceando o efetivo direito social da educação. Assim, é importante estabelecer sistemas sérios de regulação da educação superior e outros níveis do sistema educativo. Afinal, a educação não é uma mercadoria. Sabemos que há muitas pressões para tornar a educação superior uma atividade lucrativa, e para isso o Estado deve assumir o compromisso de avaliar e regular as instituições e cursos, de gestão pública e privada, para tornar efetivo o acesso universal, a permanência, e a formatura, buscando uma formação de qualidade com inclusão e pertinência local e regional.
Em pleno século XXI, milhões de crianças, jovens, adultos e idosos estão excluídos do progresso social, cultural, econômico e tecnológico. As desigualdades são tão pronunciadas que ainda existem comunidades que não tem acesso à educação superior, porque esta segue sendo um privilégio, e não um direito, como sonhavam os jovens em 1918.
No contexto que vivenciamos, os sistemas de educação superior devem reconhecer a interculturalidade do país e das comunidades onde atuam, para que a educação superior seja um meio para ascensão social e igualdade, e não um âmbito de reprodução de privilégios. Faz um século os estudantes reformistas de Córdoba denunciaram com firmeza que as universidades haviam se convertido no “fiel reflejo de estas sociedades decadentes que se empeñan en oferecer el triste espectáculo de una inmovilidad senil”. Passaram 100 anos, e essa mensagem carregada de futuro nos interpela e nos atravessa como uma flecha ética, para questionar as nossas práticas.
As nossas instituições devem comprometer-se ativamente com a transformação social, cultural, política, artística, econômica e tecnológica que hoje é imperiosa e indispensável. Devemos educar as lideranças do amanhã com consciência social e com vocação intercultural. Devemos realizar ambientes onde a vontade de aprender e a construção dialógica e crítica do saber entre docentes e discentes seja lugar comum. Ambientes democráticos de aprendizagem onde se desenvolvam manifestações vitais do ser humano, na forma, sem limites, de criações artísticas, científicas e tecnológicas.
As instituições de educação superior devem ocupar um papel preponderante na promoção e fortalecimento das democracias, lutando contra ditaduras e atropelas às liberdades públicas, aos direitos humanos e toda forma de autoritarismo. A educação superior deve exercer a sua vocação cultural e ética com a mais plena autonomia e liberdade, contribuindo para gerar definições políticas e práticas que influenciem positivamente nas necessárias, e tão sonhadas, mudanças em nosso cotidiano. A educação superior deve ser a instituição emblemática da consciência crítica nacional de nossa América Latina.
Essas tarefas não são simples, mas a causa é imensa, e necessária. O Manifesto Liminar já profetizava que é preciso manter alto o “sentido de um presagio glorioso, la virtude de um llamamiento a la lucha suprema por la libertad”.
Devemos sempre lembrar que a Educação Superior é um bem público social, um direito humano e universal, e um dever do estado. Esta é a convicção e a base para os debates que seguirão.