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Publicado 06/08/2018 - 14h02
Falta de recursos ameaça a pós-graduação brasileira
Marcelo Knobel é reitor da Unicamp
Causou comoção no meio universitário e de pesquisa um ofício do Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), divulgada no dia 1º de agosto, e dirigido ao Ministro da Educação. Nesse ofício, que é assinado pelo Presidente da CAPES, são previstas perspectivas bastante sombrias para o ano de 2019 referentes à pós-graduação no Brasil. Ali foi dito que a CAPES foi limitada a um teto que coloca as despesas dessa Fundação em um patamar muito inferior ao próprio orçamento de 2018, e mesmo ao que foi estabelecido pela LDO de 2019. A CAPES é a instituição vinculada ao Ministério da Educação responsável pelo credenciamento, pela avaliação e pelo fomento, por meio de bolsas para alunos, professores e pesquisadores, assim como de verbas para o apoio às despesas de custeio e de capital, dos programas de pós-graduação do país. De acordo com as informações oriundas desse ofício, o conjunto o pagamento das bolsas oferecidas pela CAPES aos programas de pós-graduação tem grandes possibilidades de ser interrompido a partir de agosto de 2019. Uma medida de tal magnitude teria efeitos absolutamente catastróficos e dificilmente reversíveis sobre os programas de pós-graduação da UNICAMP e de todas as universidades brasileiras.
Atualmente, a CAPES é a principal financiadora de bolsas dos programas das universidades brasileiras. Na Unicamp a CAPES financia 1.097 bolsas de mestrado e 1.769 bolsas de doutorado, o que representa 59% das bolsas de pós-graduação. Além disso, a CAPES apoia 127 bolsas de pós-doutorado associada aos programas de pós-graduação, o que significa aproximadamente 60% dos bolsistas de pós-doutorado da UNICAMP. Além das bolsas no país a CAPES também apoia estágios e formações no exterior. Assim, também todos os programas de intercâmbio com exterior apoiados pela fundação estão consequentemente ameaçados.
A Unicamp tem hoje mais de 12 mil alunos regulares de pós-graduação stricto sensu e forma anualmente aproximadamente 1.000 doutores e 1.330 mestres. Esses estudantes são fundamentais para a realização das pesquisas feitas na Universidade, que a colocam na frente das Universidades brasileiras e da América Latina nos rankings internacionais. Esse sistema de pesquisa e de formação de recursos humanos de alto nível, construído ao longo de décadas de investimento, se vê ameaçado por decisões feitas por políticos que parecem não entender nada desse sistema, e de sua importância para o futuro do país. Se o desastre se confirmar, o desfecho mais provável dessas medidas será que a parcela mais produtiva dos alunos e pesquisadores desta Universidade tenham que interromper ou revisar de forma profunda as atividades de pesquisa e de formação que estão realizando em seus grupos de investigação. As consequências ocorrerão não somente no curto e médio prazo, mas também comprometerão os esforços realizados nos últimos 60 anos para colocar o Brasil como um importante protagonista da ciência mundial.
As contribuições da ciência brasileira, conectada com um sistema de pós-graduação de excelência, ao desenvolvimento do país são incontestáveis. O sistema de pós-graduação foi crescendo e se consolidando, formando um número crescente de mestres e de doutores com qualidade para atender às necessidades do próprio sistema de ensino superior, cuja demanda reprimida é ainda muito grande, e de outros setores da sociedade que carecem de recursos humanos capacitados. Além disso, o sistema de pós-graduação atende, por meio de numerosas formas de interação, às necessidades do sistema produtivo brasileiro, como se evidencia, por exemplo, na agricultura, nos biocombustíveis, na indústria aeronáutica e aeroespacial, na indústria do petróleo e do gás natural, e por meio de políticas sociais implementadas em distintos setores, com especial ênfase para a área de saúde.
Um corte dos recursos da magnitude em que está sendo proposto irá comprometer o esforço acumulado por gerações de pesquisadores e de políticos que contribuíram para constituir o sistema de ciência e tecnologia nacional, fundamental para o desenvolvimento futuro do país. A comunidade científica se mobilizou rapidamente, e nas últimas entrevistas os políticos prometem que não faltarão recursos para a CAPES manter o seu sistema de bolsas. Vamos ficar alertas para ver o que de fato vai acontecer em um país já tão repleto de incertezas.
Ver carta original aqui.