Em defesa da Liberdade Acadêmica e da Autonomia
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Publicado 05/11/2018 - 08h26

Em defesa da Liberdade Acadêmica e da Autonomia

Uma semana antes do segundo turno das eleições no Brasil, diversos ataques às universidades públicas foram articulados por magistrados e policiais em diversos cantos do Brasil. Além de proibição de algumas faixas e cartazes, houve deputados eleitos sugerindo que os estudantes filmem professores para denunciar eventuais “doutrinações”, ou mesmo sugestão de evitar aglomerações ou reuniões em grupo. A comunidade acadêmica reagiu rapidamente, com diversos protestos e mobilizações. Na sexta-feira 26 de outubro de 2018, a reitoria da Unicamp publicou a seguinte nota:
“Autonomia universitária e liberdade acadêmica afirmaram-se como os dois principais valores defendidos pelas universidades que assinam a Magna Charta Universitatum (MCU), documento internacional que estabeleceu os princípios fundamentais das escolas superiores, em 1988, por ocasião do 900º aniversário da Universidade de Bolonha. Conforme amplamente noticiado, os 30 anos da primeira edição do documento, do qual a Unicamp é signatária, foram celebrados na Universidade de Salamanca, em setembro, quando os valores estabelecidos pela Magna Carta foram reiterados.
O Brasil, por sua vez, estabeleceu a autonomia universitária como princípio constitucional consagrado em 1988. No ano seguinte, esse princípio foi aplicado em sua plenitude nas três universidades públicas de São Paulo com a instituição do regime de autonomia financeira com vinculação orçamentária, o que produziu impactos significativos na produção acadêmica destas instituições. De maneira objetiva, elas podem demonstrar isso por meio de indicadores de qualidade e de produtividade, que abrangem o ensino, a pesquisa e os serviços prestados à comunidade. 
No momento em que a sociedade brasileira atravessa um novo período eleitoral para a Presidência da República e Governos Estaduais, é mais que oportuno destacar os princípios estabelecidos na Constituição Brasileira e na Carta Magna de Bolonha como norteadores das políticas públicas voltadas para o ensino superior. Autonomia universitária e liberdade acadêmica constituem pilares indispensáveis para que as universidades cumpram sua missão social, razão pela qual os poderes públicos devem garantir e promover o respeito a estas prerrogativas.
Nunca é demais lembrar que nenhum país conseguiu atingir um ritmo progressivo e sustentável de desenvolvimento econômico e social sem a construção de um sólido sistema universitário. Por sua vez, não é possível consolidar as bases de um ambiente acadêmico eficiente sem a garantia do livre debate de ideias e preservação das liberdades civis, que garantem a todos os cidadãos o direito de assumir e externar livremente suas convicções, sem sofrer perseguição de qualquer governo, instituição ou grupo social.
A Unicamp, que sempre valorizou a discussão de temas fundamentais para a sociedade brasileira, vem a público reiterar a defesa dos princípios indispensáveis às atividades universitárias, num ambiente de tolerância, respeito e responsabilidade. No atual contexto brasileiro, reconhecer, respeitar e valorizar a liberdade acadêmica e a autonomia universitária constitui não apenas um ato de justiça, mas uma medida estratégica para o desenvolvimento do país.”
A procuradora geral da república, Raquel Dodge, apresentou, nesse mesmo dia, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 548 contra decisões de juízes eleitorais que determinam a busca e apreensão de panfletos e materiais de campanha eleitoral em universidades e nas dependências das sedes de associações de docentes e a interrupção de manifestações públicas de apreço ou reprovação a candidatos nas eleições gerais de 2018, em universidades federais e estaduais. Solicitamos imediatamente atuar como “Amicus Curiae” nesta medida cautelar. No dia 31/10/2018 a ministra Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferiu nesta quarta-feira (31) pedido apresentado pela Unicamp.
Amicus Curiae é um termo de origem latina que significa "amigo da corte". Segundo o Código de Processo Civil, diz respeito a uma pessoa, entidade ou órgão com profundo interesse em uma questão jurídica levada à discussão junto ao Poder Judiciário. Seu papel é servir como fonte de conhecimento em assuntos inusitados, inéditos, difíceis ou controversos, ampliando a discussão antes da decisão dos juízes da corte. A função histórica do amicus curiae é chamar a atenção da corte para fatos ou circunstâncias que poderiam não ser notados. Na condição de amicus curiae, a Unicamp poderá oferecer subsídios ao STF no julgamento da ação.
A sociedade brasileira passa por um grave momento de forte polarização política no contexto das eleições presidenciais. Obviamente, a polarização política, em si, não constitui um fenômeno incomum. Entretanto, chama atenção o clima de acirramento que, em muitos casos, extrapola o campo das ideias para entrar no terreno das hostilidades, que em nada contribuem para a consolidação de um regime democrático arduamente conquistado. Preservar essa conquista, situando o debate no campo das ideias, é um sinal de maturidade intelectual e inteligência política.
Importante destacar que a convivência respeitosa e democrática constitui condição indispensável para que as universidades cumpram sua missão, voltada para a geração de conhecimento e formação de cidadãos nas mais diversas áreas. Afrontar o ambiente acadêmico com atitudes antidemocráticas e hostis compromete não apenas a missão primordial da instituição, mas sobretudo a sua relação com a sociedade, que, em última instância, é a principal fiadora de suas atividades.